O inferno era o próprio time do Flamengo

Time do Flamengo no Maracanã – Foto: Divulgação

MEIA ENCARNADA: Por Douglas Ceconello

Ao fim da primeira partida pelas oitavas de final, com vitória atleticana no Mineirão, o atacante Gabriel procurou deixar a chama rubro-negra acesa, ainda que por um toco de brasa. Prometia que no Maracanã os mineiros conheceriam o que é o inferno. O que era provavelmente um desabafo se transformou em estopim da motivação flamenguista, mas também, por caminhos tortos, em combustível para cenas de violência que cercaram o estádio antes do confronto decisivo — quase toda forma de desgraça ganhou forma, com gente agredida e o ônibus do Atlético-MG apedrejado. Há coisas que fogem do controle quando invocadas.

O inferno que importava, ao menos para os flamenguistas, estava dentro do campo. O mosaico saiu meio capenga, a fumaça excessiva ficou um pouco deslocada, mas desde o primeiro minuto a equipe de Dorival Júnior engoliu seu poderoso antagonista com o apetite dos mais ancestrais demônios que habitam os estádios brasileiros. Com onze em campo e milhares ocupando o concreto, o atual campeão brasileiro foi sufocado desde a linha de defesa rubro-negra, onde David Luiz teve desempenho irretocável, até o setor em que o Flamengo realmente precisaria mostrar toda sua cátedra — o fez com Pedro, um senhor jogador, reserva mais paciencioso do Brasil, que deixou Arrascaeta de frente para os barbantes quando já terminava o primeiro tempo. A metade do calvário atleticano havia sido rabiscada.

Precisando jogar, o Galo não jogou. Mesmo Hulk, que fizera um primeiro jogo magistral, parecia ter sido sugado pela neblina — pelo vapor do enxofre, pelo incenso de orégano, talvez por outras essências de igual poder transcendental. O time de Turco Mohamed estava enroscado em suas próprias pernas, cozido em fogo brando em um dantesco alçapão e preso em alguma simpatia emergencial de Dorival Júnior, o técnico que foi contratado para arrefecer os ânimos e hoje faz o time flamenguista jogar o futebol mais convincente, ao menos em partidas decisivas, desde Jorge Jesus (que os turcos o tenham). Há anos, observando apenas escalações, é perceptível que o Flamengo é o melhor time em potencial da América do Sul, mas mesmo os melhores bacanais às vezes demandam um pouco de organização.

O lance que arremessou o Atlético-MG definitivamente no purgatório das almas aconteceu quando Arrascaeta, que aparentemente não tem pacto com o diabo mas sabe muito por ser uruguaio, resolveu contrariar todos os ensinamentos futebolísticos (e também sua insuspeitável categoria) para golpear com um cabeceio a bola que lhe chegou rente ao chão. É um gol emblemático: garantiu que o restante da temporada flamenguista vai se desenrolar em chama alta, com Dorival sendo responsável não apenas por comandar as bocas do fogão, mas por manter aceso — e nos trilhos — um time com capacidade para ser o diabo em pessoa.

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