Com receita recorde e dívida controlada, dinheiro é o que não falta ao Flamengo

Maracanã lotado pela torcida do Flamengo – Foto: Paula Reis

GLOBO ESPORTE: Por Rodrigo Capelo

A essa altura do campeonato, a análise sobre a administração do Flamengo precisa vir acompanhada do que contadores chamam, em balanços financeiros, de “eventos subsequentes”. Ou seja, o que aconteceu de relevante com a associação desde o fechamento da contabilidade. Hoje, configura-se a já famosa crise na Gávea.

A equipe rubro-negra está em 14º lugar no Campeonato Brasileiro e abriu as oitavas de final da Copa do Brasil com derrota para o Atlético-MG no jogo de ida. A crise esportiva puxa a política: o “conselhinho” montado para gerir o futebol se desmancha, ex-presidentes e sócios escrevem carta contra o amadorismo da diretoria de Rodolfo Landim.

Como as finanças ajudam o torcedor a compreender este contexto? O clube está com performance abaixo do que deveria em campo por falta de dinheiro? Há possibilidade de novos investimentos?

O ge tenta responder essas e outras perguntas neste texto, parte da série anual sobre as finanças do futebol brasileiro, com base nas demonstrações contábeis mais recentes, referentes a 2021.

Panorama
A análise começa pela comparação entre faturamento (tudo o que foi arrecadado em cada ano) e endividamento (o que havia a pagar no último dia de cada exercício), pois ela indica de certa forma a saúde financeira do clube. Dívidas são administráveis, desde que haja dinheiro para pagá-las.

No caso do Flamengo, a interpretação dos dados precisa considerar o adiamento de receitas de 2020 para 2021, em particular nos direitos de transmissão. Fato comum a todos os clubes.

Como a edição retrasada do Brasileirão só terminou no ano passado, por causa da pandemia, seus pagamentos de televisão foram contabilizados no balanço do exercício seguinte. Entra nesse cálculo a premiação pelo título de 2020, além de pagamentos fixos e ordinários.

Na prática, essa anomalia na contabilidade significa o seguinte: a receita de 2021 foi elevada artificialmente por receitas que, em condições normais, pertenceriam a 2020. Como no Flamengo a transmissão movimenta valores significativos, a variação fica prejudicada.

Receitas
No faturamento rubro-negro, direitos de transmissão representam a maior parcela – dado presente em mais clubes. A questão contábil, da postergação de receitas, explica em partes tal quantia. Mas não somente.

Também estão entre esses direitos as premiações de competições como Brasileirão, Copa do Brasil e Libertadores. Por mais que o torcedor tenha ficado insatisfeito com a temporada passada, por não ter havido nenhum título, o segundo lugar, a semifinal e a final, respectivamente, elevaram significativamente as receitas em todas essas competições.

No departamento comercial e de marketing, está uma das maiores virtudes rubro-negras. O clube arrecadou R$ 247 milhões na soma de patrocínios, publicidades e licenciamentos – melhor desempenho do futebol brasileiro na temporada, com boa vantagem.

Receitas com a torcida estão temporariamente prejudicadas por força maior, pois, em 2021, a pandemia ainda impediu que os portões do Maracanã fossem abertos durante boa parte da temporada. O programa de sócios-torcedores também é puxado para baixo.

O faturamento ainda é reforçado pelas transferências de jogadores. Com R$ 222 milhões líquidos (descontadas participações de terceiros e comissões), o Flamengo tem os melhores números do país também nesta linha. As três vendas que mais contribuíram foram as de Gerson, Rodrigo Muniz e Yuri César.

Orçado versus realizado
A comparação entre orçamento (com projeções feitas pela diretoria antes de a temporada começar) e balanço (com números concretos, depois que ela terminou) aponta como foi o ano flamenguista.

Entre as receitas, o destaque negativo está para as bilheterias. No fim de 2020, a diretoria apostou que a pandemia acabaria muito antes, então previu R$ 100 milhões com bilheterias. Não aconteceu. Também ficou abaixo do esperado o faturamento com sócios-torcedores e sócios.

Essas frustrações foram compensadas por departamentos que superaram expectativas. O marketing, por meio dos patrocínios, e o futebol, com as vendas de atletas. No total, ficaram elas por elas.

Nas despesas, a comparação da folha salarial está prejudicada por falha de transparência. O Flamengo não descreve, em seu orçamento, o valor que pretende gastar na temporada seguinte. Portanto, não há como dizer se o realizado ficou acima ou abaixo do planejado.

É possível mostrar a trajetória dessa folha, com a ressalva de que, em 2020, o clube pôde reduzir temporariamente os salários por causa da pandemia. Assim como nas receitas, também há custos que foram postergados para o ano seguinte, como bichos pagos aos jogadores.

2017 – R$ 190 milhões
2018 – R$ 200 milhões
2019 – R$ 338 milhões
2020 – R$ 337 milhões
2021 – R$ 386 milhões

No resultado financeiro, exposto na tabela acima, estão itens não esportivos, como juros sobre dívidas e variações cambiais. O Flamengo está organizado nesse sentido e não se deixa prejudicar.

Por fim, o resultado líquido aponta se o clube teve superavit (lucro) ou deficit (prejuízo) no exercício. Uma linha em que o clube rubro-negro não tem problemas há muito tempo. Porém, é necessário ressalvar: como as receitas foram elevadas artificialmente por causa da pandemia, também aumentou o lucro que o clube registraria em condições ordinárias.

Dívidas
O perfil do endividamento do Flamengo melhorou, em particular se forem separadas as obrigações de curto prazo (cobradas em menos de um ano) das de longo prazo (além de um ano).

O clube havia terminado 2020 com R$ 295 milhões a pagar no curto prazo. Era uma quantia alta, até para os padrões rubro-negros, que exigiu esforços da diretoria na busca por dinheiro. A decisão pela venda de atletas importantes, como Gerson, tem a ver com essa necessidade.

Em 2021, a associação terminou o ano com R$ 148 milhões a pagar neste mesmo curto prazo, um valor consideravelmente menor do que o anterior. O Flamengo usou esta temporada para reorganizar as suas dívidas e reduzir a pressão que elas fariam sobre seu caixa em 2022.
Essa redução dos compromissos de curto prazo se explica por alguns fatores. Em primeiro lugar, foram quitadas parcelas de reforços, cujos direitos tinham sido comprados de maneira parcelada. As chamadas “contas a pagar na transferências de jogadores” baixaram bastante.

Por outro lado, o Flamengo terminou o ano com R$ 127 milhões em caixa. Como este dinheiro estava disponível para pagar qualquer tipo de dívida, segundo o cálculo que o ge adota em todas as análises financeiras, ele foi subtraído das dívidas contabilizadas no curto prazo.

Num terceiro ponto, a diretoria rubro-negra conseguiu rearranjar as suas dívidas bancárias. O Banco de Brasília (BRB), também patrocinador do futebol, aceitou emprestar R$ 71 milhões ao Flamengo. Desse montante, R$ 31 milhões têm prazo de vencimento além de 2023. Esta foi mais uma medida para reduzir a dívida de curto prazo e alongá-la no tempo.

Dívidas trabalhistas (com jogadores, técnicos e demais funcionários) estão classificadas em sua maioria em um futuro distante, pois correspondem a ações judiciais, que ainda dependem de decisões finais e execuções.

Na área descrita como fiscal, o clube está cadastrado no Profut e continua a efetuar os pagamentos das parcelas – diferente de muitos adversários, que não conseguiram dar conta dos “boletos” e já aderiram a novos programas de refinanciamento com o governo.

Por fim, no gráfico abaixo, a coluna “outros” agrupa fornecedores, outros clubes e agentes. A redução dos valores devidos nesta parte foi algo que claramente o Flamengo priorizou na temporada.
Futuro
É notável como, em poucos anos, o negócio do Flamengo aumentou. Mesmo com os pormenores contábeis, trata-se de um clube de futebol com R$ 1 bilhão em faturamento – que teve o mérito de expandir praticamente todas as suas linhas de receita e ainda conseguirá aumentar seus ganhos com o Maracanã, com o fim das restrições da pandemia.

Também é elogiável que, com a ambição de ganhar todos os campeonatos que disputa, o clube não tenha comprometidos as suas finanças. A redução do endividamento e a melhoria de seu perfil, em relação a prazos, são vitórias conquistadas na temporada passada por meio de sacrifícios. O maior deles, Gerson, peça-chave do time titular.

Esportivamente, a performance rubro-negra seria defensável se a análise se restringisse apenas a 2021. Sim, o torcedor ficou muito frustrado por não ter conquistado título algum, e sobretudo pela derrota para o Palmeiras na final da Libertadores. Mas não dá para desconsiderar o imponderável no futebol. Um recuo de bola mal feito, um jogador bem posicionado do outro lado, a história mudaria totalmente.

Final da Libertadores, semifinal da Copa do Brasil e segundo lugar no Campeonato Brasileiro correspondem a um desempenho esportivo condizente com a condição financeira. Em que pesem as consecutivas demissões de treinadores e as crises causadas por expectativas às vezes exageradas, aqueles não foram resultados ruins.

Em 2022, a situação piorou. Com uma das maiores folhas salariais do futebol brasileiro, o Flamengo deveria estar na briga pelo topo da tabela no Brasileirão, não tão próximo da zona de rebaixamento. Trocas de técnicos seguem constantes – e elas geram dívidas desnecessárias –, e o elenco sofre com problemas que vão desde o envelhecimento até lesões.

Em suma, se forem analisados separadamente, os departamentos têm aproveitamentos diferentes. Enquanto o marketing e o financeiro continuam a se destacar, o futebol não tem conseguido aplicar o dinheiro para que a vantagem econômica rubro-negra seja também esportiva.

O torcedor tem motivos de sobra para cobrar o presidente Rodolfo Landim, que ainda pode se salvar de mais essa crise na Gávea, se o time se superar na Copa do Brasil e na Libertadores nesta temporada.

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