Flamengo tem a maior torcida também entre as mulheres

Torcedora do Flamengo fantasiada de personagem do “La casa de Papel” – Foto: Divulgação

O GLOBO: Por Tatiana Furtado

No microcosmos do futebol, a sociedade brasileira se vê refletida em todos os aspectos. No de gênero, não seria diferente. A pesquisa O GLOBO/Ipec mostra que, apesar de ser maioria no país, as mulheres não são a maior base de fãs de nenhum dos clubes citados. O Flamengo, no entanto, mantém a liderança no recorte feminino, com 20%.

Alguns deles, inclusive, têm uma queda bem mais acentuada do que outros na comparação com o percentual geral. É o caso do Santos, que sai da nona para a 11ª colocação dos clubes mais citados pelas mulheres, com 1,3 % das menções femininas, sendo ultrapassado por Atlético-MG e Bahia, ambos com 1,6%. Atualmente, as santistas representam cerca de 20% do programa de sócio torcedor.

Em 2020, o clube desistiu da contratação de Robinho, condenado por estupro na Itália, após ampla pressão popular, incluindo coletivos femininos do Santos, e dos patrocinadores. A repercussão negativa é algo que vem sendo trabalhado pelo marketing.

Na contramão, o Palmeiras, presidido por uma mulher pela primeira vez em sua história e a única no cargo na América Latina, galgou uma posição no ranking no recorte de gênero, tomando o terceiro lugar do São Paulo, com 6,2% contra 5,6% — no geral, o tricolor paulista tem 8,2% contra 7,4%.

— A cabeça dos dirigentes está mudando. Em casos grandes como esse vemos que os clubes não dão guarida a esse tipo de comportamento. Mas o futebol ainda é um ambiente machista, e os mais conservadores consideram que isso é de cunho pessoal, e isso atrapalha o crescimento nesse público. Os casos menores vão passando. O importante é que na sociedade mais engajada todo mundo tem que levantar essa bandeira. Não adianta fazer só campanha. Há uma grande demanda represada nesse público e uma grande fatia a ser conquistada, mas é preciso estabelecer os valores morais e sociais do clube, e, a partir daí, olhar como negócio gerador de receitas — afirma o executivo de marketing do Santos, Rafael Soares, que assumiu a função em 2021.

Dados dos clubes mostram a diferença também na prática do dia a dia. Segundo o departamento de marketing do tricolor, no universo de mais de 39 mil membros do programa Sócio Torcedor, apenas 3,2 mil mulheres são titulares inscritas, ou 8,3%. Para tentar atraí-las, o São Paulo reserva 44% dos resgates de benefícios exclusivamente para mulheres.

O Palmeiras não divulga os números por considerá-los estratégicos, mas afirma que houve um aumento de 115% do público feminino entre os associados do programa nos últimos seis meses. De acordo com o marketing, “um dos desafios da atual gestão é fazer com que cada vez mais mulheres torçam pelo Palmeiras e compareçam aos jogos do clube”.

Entre os clubes mais equilibrados, o Grêmio aparece com uma queda de 3,1% em relação ao percentual total. Os gaúchos, no entanto, permanecem em sexto lugar tanto no geral quanto entre o público feminino — perde uma posição ao considerar apenas as menções feitas por homem, sendo ultrapassado pelo Cruzeiro.

— A pesquisa nos mostrou como maior torcida no Sul, a mais fiel do país e um equilíbrio de gênero. A tendência e o que buscamos é o crescimento nesse perfil. No sócio torcedor, as mulheres representam 20%, o que mostra que temos um potencial muito grande de crescimento desse público. A nossa marca já é bastante consolidada entre os homens, precisamos fazer o mesmo entre as mulheres. Daí, a monetização é consequência — diz o diretor executivo de marketing do Grêmio, Beto Carvalho.

Futebol feminino pode cativar novas torcedoras
A maioria dos clubes passou a ter, nos últimos anos, ações destinadas ao público feminino justamente para consolidar sua base já existente e trazer novas adeptas. Uniformes para campanhas relacionadas às causas das mulheres, como o combate ao câncer de mama, ouvidorias e canais de denúncias nos estádios e clubes, como faz o Internacional, para tratar de assédio contra a mulher,produtos exclusivos, com modelagem própria, e mídias sociais só dos times femininos, como as Sereias da Vila (Santos), o Corinthians feminino, entre outras.

— Se você tem um clube que olha para as questões sociais pode ser um lugar no qual se sinta acolhida. Assim como os coletivos femininos de torcidas formados para que as mulheres tenham esse espaço de sociabilidade e lazer no futebol, seja nos estádios ou fora — diz Carolina Marques , mestre pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) com pesquisa da participação de mulheres em organizadas.

Mas apenas isso não é o suficiente para aumentar essa base nas proporções do país. É algo mais estrutural de uma cultura que ainda associa amplamente o futebol ao universo masculino. Apesar das mudanças atuais na sociedade, com maior representatividade em diversos setores, um cenário com maior participação feminina de forma efetiva no mundo do futebol levará décadas para se consolidar.

— A presença feminina dentro desse universo também colabora com o interesse geral pelo futebol. Um exemplo recente é o anúncio da Fifa que escalou mulheres para apitar jogos da Copa do Mundo pela primeira vez. Isso é muito emblemático, principalmente sendo no Catar, um país em que as mulheres estão em segundo plano — afirma Liana Bazanela, diretora de marketing e negócios do Internacional.

O futebol feminino associado aos tradicionais clubes também surge com um dos principais caminhos para cativar novas torcedoras. Mas também requer tempo e maior penetração entre as mais jovens.

— Os principais atores envolvidos precisam criar estratégias para chegar lá embaixo. É necessário engajar as meninas em escolinhas, projetos sociais, que mantenham o sonho de virar uma atleta profissional ou se inclua nesse universo. Sem essa linha, vai enfraquecendo a identificação — analisa o especialista em marketing Bernardo Pontes.

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